Olhando para trás, viu que o amigo Planic tinha subido para a saliência junto com a multidão que
esperava. Em vez de se virar para a esquerda na direção da Travessa, o colega tinha subido para o lado
oposto e se dirigido a um espaço livre, onde aparentemente iria tentar trocar aparentemente cilindro de
oxigênio. Já tinha começado a tirar o cilindro da mochila.
Mandic achou uma boa ideia; deixaria a multidão e se juntaria ao amigo. Mas, quando se virou, deu de
cara com Cecilie Skog. Haviam solicitado mais corda na Travessa, e Skog, que carregava uma extensão de
corda sobre o ombro, seguia para lá, decidida. Dois tubos de oxigênio saíam da mochila em direção ao
nariz. Ela disse algo sobre querer guardar a corda na mochila para atravessar.
– Eu ajudo você – disse Mandic, verbalizando as palavras através de sua balaclava e gesticulando com a
mão.
Ela assentiu com a cabeça. Obrigada.
Mandic soltou o mosquetão da fila, para que Skog pudesse passar por ele, e colocou-se cuidadosamente
atrás da mulher enquanto ela lhe virava as costas para que tivesse acesso à mochila. Ele passou a manga pela
testa, úmida de suor.
Ao dar outro passo para passar por ela, Mandic sentiu a bota escorregar no gelo sob a neve e de repente
sua perna voou. Mandic caiu em cima de Skog, derrubando-a sobre o gelo, corpo mergulhando
pesadamente sobre o dela.
Gritos de alarme encheram o ar. Lá de baixo, o marido de Skog, Rolf Bae, gritou: “Cecilie!”
Emaranhados sobre a escarpa de gelo, Mandic e Skog começaram a escorregar. Estavam numa escarpa
íngreme e dentro de poucos segundos estariam indo rápido demais para conseguirem parar. Abaixo deles
estava a queda de 90 metros do rígido Gargalo da Garrafa e suas rochas afiadas.
Skog caiu por cerca de um metro, mas seu freio ainda estava preso à corda e a deteve. Mandic, no
entanto, tinha se soltado. Enquanto Skog parava, ele continuou a escorregar, rapidamente.
Pelo canto do olho, Pedja Zagorac viu algo caindo. Escorregou ao longo da fila de alpinistas e ravina abaixo,
como uma bala.
Então ouviu a gritaria.
– É o Dren! Dren! Dren!
Observou a figura escorregar ao longo do Gargalo da Garrafa, virando e, a partir de certo ponto, dando
cambalhotas durante todo o percurso. Depois de aproximadamente 120 metros Mandic perdeu velocidade e
parou.
Mandic ficaria bem, um dos alpinistas assegurou a Zagorac; nos Alpes, as pessoas caíam assim o tempo
todo. Não era pior do que um tombo numa encosta de esqui. Alguns disseram que desceriam para ajudar o
alpinista.
Mas enquanto falavam, Mandic se levantou. Estava acenando para eles? Zagorac foi tomado pelo alívio.
Graças a Deus! Na queda, o amigo não tinha batido contra pedras ou qualquer outra coisa.
No momento seguinte, Mandic pareceu se curvar e escorregou novamente. Não tão longe desta vez,
talvez uns 90 metros, mas passou por algumas pedras e, quando parou, permaneceu deitado sobre o gelo,
sem se levantar.
Zagorac apertou os olhos para enxergar. Alguém na fila gritou:
– Ele está se mexendo! Mexeu a perna. Eu vi.
Zagorac podia ouvir as pessoas gritando em seus rádios. Ele está se mexendo.
Ele próprio se viu gritando, mas não estava certo do que estava dizendo. Estava chorando. Hussein, o
carregador dos sérvios que estava perto dele, também gritava a plenos pulmões. Zagorac não perderia mais
tempo. Os alpinistas que esperavam à sua volta abriram espaço; ele se virou de frente para a montanha e
desceu de rapel, rezando por trás da respiração e esperando que não fosse tarde demais. Concentrou-se em
respirar constantemente e mexeu as pernas rapidamente. Que eu chegue a tempo.
Levou cerca de 15 minutos, mas finalmente chegou ao fim da segunda extensão de corda fixa, onde
Mandic estava deitado na neve, o corpo apontando para baixo da montanha. Ofegando pesadamente,
Zagorac se ajoelhou ao lado do amigo. Observou o rosto pálido de Mandic. A cabeça estava bastante
machucada. Havia muito sangue.
– Dren!
Não podia acreditar que isso tinha acontecido como o amigo. Zagorac virou Mandic e lhe aplicou
respiração boca a boca. Ó Deus! Ajude-me. Ajude Dren.
De uma mochila, tiraram algumas bandeiras de patrocinadores e uma bandeira sérvia que tinham
intenção de levar até o cume e colocaram-nas sobre o amigo, tentando esconder seus ferimentos aos olhares.
Zagorac e Planic amarraram uma corda de 9 metros ao cinto de segurança de Mandic. Iriam descê-lo e
dar-lhe um enterro decente. Era incomum e perigoso baixar um corpo de um pico de 8.500 metros; uma
primeira regra do salvamento em montanha era nunca permitir que uma pessoa ferida ou morta se tornasse
a causa de múltiplos acidentes. Mas não iam deixá-lo ali.
Não demorou muito e eles viram uma figura sair do acampamento 4 e começar a subir na direção deles
sobre o Ombro.
Enquanto isso, no Gargalo da Garrafa, um único alpinista vestido de amarelo surgiu do grupo de pessoas
que esperavam nas cordas e começou a descer. Era um carregador de altitude balti que trabalhava para o
francês Hugues d’Aubarède. De perto, pareceu a alguns alpinistas nas cordas que ele estava ligeiramente
desorientado, como se estivesse sofrendo do mal da montanha. Ao passar pelas equipes na fila, abrindo e
fechando o pequeno grampo metálico de seu ascensor, o carregador provocou gritos de protesto por parte
de alguns, que disseram que o jumar só deveria ser usado para subir.
Ele respondeu com rudeza, dizendo que sempre fazia isso, e continuou a descer desajeitadamente pela
ravina em direção ao grupo que cercava Mandic
– Foi um dos sérvios; ele caiu – disse Dorje pelo rádio. – A perna ainda está mexendo.
Com o rádio pressionado à boca, Meyer comunicou a notícia a todos que estavam na frequência.
– Podemos ver uma figura na parte de baixo do Gargalo da Garrafa. Ele está se mexendo. Câmbio.
Após alguns minutos, no entanto, o corpo parecia imóvel. As vozes pelo rádio agora diziam que ele
provavelmente estava morto. Mas Meyer achou que poderiam estar errados, já que era possível não sentir
um pulso nessas temperaturas.
Tentaram decidir o que deviam fazer. Devemos subir? Já tinham subido ao Gargalo da Garrafa naquele
dia e tinham de pensar em sua própria sobrevivência nessa altitude. Por outro lado, havia um ser humano lá
em cima que precisava de ajuda.
Strang levou uma hora e meia para subir dos 7.800 metros aos 8.100 metros. Quando estava a menos de 60
metros de distância do grupo, percebeu que já estavam puxando o sérvio.
Strang respirava com dificuldade quando os alcançou. Os dois sérvios, Predrag Zagorac e Iso Planic,
seguravam a corda amarrada ao cinto de Mandic, e desciam o corpo pela montanha deslizando-o à frente,
ou às vezes atrás. A maior parte de seus rostos estava coberta por balaclavas e óculos. Dois metros à esquerda,
Hussein, o carregador paquistanês, mantinha distância – aparentemente incapaz de olhar para o corpo.
Strang disse aos sérvios quem era, mas eles reagiram com melancolia. Também pegou a câmera para
filmar a cena. Quando os sérvios olharam para ele de forma interrogativa, Strang disse que precisava do
filme para registro.
– Para que isso não se repita – disse ele. – Para que a gente aprenda sobre a natureza humana.
Também queria evitar ser acusado mais tarde de fazer algo errado.
– Agora tudo está registrado – disse ele. – Cada palavra.
Strang pegou os pedaços de corda, o colchonete, a fita de náilon e o saco
de dormir para enrolar o corpo. Amarrou as cordas ao redor do peito de Mandic e disse aos outros para
pegarem uma ponta da corda, que ele pegaria a outra. Mas advertiu aos sérvios de que se houvesse qualquer
sinal de que Mandic estava escorregando além do controle, deveriam soltá-lo, a menos que quisessem ser
arrastados para fora da montanha.
– Pessoal, se vocês caírem, soltem. Está bem? É a nossa vida que está em jogo. Certo?
Enquanto descansavam, uma figura vestida em amarelo se aproximava lentamente pela escarpa desde o
Gargalo da Garrafa. Os sérvios disseram que o alpinista solitário os vinha seguindo havia algum tempo, mas
que tinha permanecido cerca de 30 metros atrás deles. Pelo modo como estava vestido – chapéu e botas
surrados e macacão de segunda mão, ao que parecia –, acharam que devia ser um dos carregadores
paquistaneses. Quando o homem os alcançou, viram que era Jahan Baig, um carregador de altitude de 32
anos de idade, um dos três que trabalhavam para Hugues d’Aubarède.
Foi encarregado de levar cilindros de oxigênio até o topo do Gargalo da Garrafa, e, uma vez concluída a
tarefa, D’Aubarède tinha permitido que Baig descesse. Ele agora parecia estar sofrendo do mal da
montanha. Mais cedo naquela manhã, antes de deixarem o acampamento 4, Baig tinha se queixado de
náusea.
Naquela manhã, um carregador havia mencionado que Baig estava agindo de modo estranho.
D’Aubarède, que não conhecia bem o novo carregador, não notou nada de incomum. Depois, na barraca
escura do acampamento 4, Baig disse que estava com dor de cabeça. D’Aubarède lhe deu aspirina e Diamox,
um remédio para combater o mal da montanha. Baig disse se sentir melhor. Mas, quando apressavam-se
para partir para o cume, levou 45 minutos para colocar os grampões, mesmo com a ajuda dos outros
carregadores.
– Por que você está demorando tanto? – D’Aubarède perguntou, de pé na frente dele, ficando cada vez
mais impaciente. – Você sabe escalar?
Agora, ao encontrar o grupo arrastando o sérvio morto, ele olhou nervosamente para a jaqueta de
Zagorac, manchada com o sangue de Mandic.
– Desculpem – disse Baig balançando a cabeça. – Eu não vim para ajudar.
Zagorac disse que tudo bem.
– Estamos bem. Não precisamos de sua ajuda. Obrigado.
– Eu nunca vi um cadáver.
Zagorac encolheu os ombros e os outros ignoraram o carregador paquistanês. Mas, quando o grupo
estava partindo, Baig deu um passo à frente e disse que, afinal, queria ajudar.
Havia duas extremidades de corda de cada lado de Mandic. Zagorac e Planic seguravam as extremidades
no lado esquerdo do corpo e Strang e Baig, do lado direito. Este arranjo deixava o carregador sérvio livre
para levar as mochilas. Strang fez um laço na ponta de sua corda para o cabo de seu piolet e deu instruções
precisas: andar lentamente, manter uma distância segura entre cada um deles e puxar no mesmo ritmo. Suas
vidas dependiam de que os quatro homens trabalhassem juntos. Eles assentiram entusiasticamente, em
especial Baig.
A escarpa tinha aproximadamente 30 graus, embora mais à frente se tornasse menos íngreme sobre uma
depressão de gelo. Essa parte do Ombro estava cerca de 200 metros à frente e de ambos os lados ela se
inclinava e terminava abruptamente sobre uma queda perpendicular, para o leste em direção à China e para
o oeste.
Descendo lentamente, os quatro alpinistas formavam uma silhueta contra o grande céu azul. Eles
arrastaram o corpo por 9 metros como forma de teste, depois pararam para comer chocolate. O sistema de
descida parecia estar funcionando, e eles partiram novamente.
Após cerca de 45 metros, Strang sentiu algo prender suas botas. Era Baig, que de repente tinha se
aproximado demais.
– Você está tentando me tirar da corda? – gritou Strang, afastando Baig com brutalidade.
– A culpa não é minha! – disse Baig, dando um passo para trás e começando a discutir.
Strang se virou, mas sentiu que havia algo estranho, algo errado na voz do carregador. Antes que pudesse
protestar – De quem é a culpa, então? –, um peso extra pareceu cair sobre sua corda, como se Baig não
estivesse mais a puxando.
– Fique atrás de mim! – gritou Strang.
Sem uma pressão uniforme em todas as cordas, o corpo de Mandic começou a descer ligeiramente mais
rápido e a se mover para a esquerda.
– Pare! – gritou Strang. – Pare
No entanto, de repente Strang foi empurrado para a frente. Baig tinha tropeçado na neve e batido
contra as costas do sueco. Quando se virou, Baig estava estatelado sobre o gelo.
Strang estava no limite.
– Levanta – disse ele. – Levanta!
Quando Baig começou a escorregar, Strang esperou que o carregador se virasse e fincasse o piolet no
gelo ou fizesse algo para parar, mas ele continuou a escorregar de costas. A corda que ele ainda estava
segurando ficou presa nas pernas de Strang e começou a puxar o sueco.
– Largue a corda! – gritou Strang.
Os sérvios agora também gritavam com o carregador, mas Baig apenas olhou para eles, uma expressão
desnorteada.
– Solta a corda! – gritou Strang novamente. Não se importava com o que acontecesse. Queria apenas
que ele largasse. – Solta a corda
Baig soltou-a. Em poucos segundos, deslizou 3 metros, depois 4. Estava sentado e as botas escorregavam
primeiro. O gelo estava escorregadio e ele deslizava rápido. Strang não podia acreditar. Por que ele não
tentava parar? Por que não fazia algo?
– Pare! – gritou Strang. – Meu Deus! Pare! Pare!
Em vez disso, os grampões de Baig fincaram na neve e ele tombou desajeitadamente sobre a barriga. A
impressão era de que perderia impulso quando a depressão ficou menos íngreme. No entanto, Baig deslizou
para a esquerda, espalhando o equipamento, o cilindro de oxigênio, as luvas e depois a mochila, ganhando
cada vez mais velocidade.
Perceberam que Baig seguia na direção da lateral leste da montanha. Ao fim da escarpa havia uma borda
bem-definida. Além dela, podiam ver o glaciar bem abaixo.
Todos gritavam, insistindo para que Baig tentasse parar ou ir para a direita, na direção do acampamento
4. A esta altura, Meyer tinha quase os alcançado e estava parado, gritando freneticamente também.
– Vire! – gritou Meyer. – Para lá!
Mas Baig continuou a deslizar. À beira do abismo, ele gritou. Depois desapareceu e o silêncio os
envolveu.
Hussein, o carregador paquistanês, seguiu na direção da borda da encosta para recolher as luvas, a
mochila e os outros equipamentos que Baig tinha deixado cair. Era perigoso, e se ele tivesse escorregado teria
desaparecido antes que os outros o pudessem deter, mas Hussein queria recolher os pertences do amigo,
então o deixaram ir.
Agora, não parecia haver qualquer dúvida de que deixariam o corpo de Mandic onde estava. Strang
amarrou a corda presa no cinto de Mandic a um piolet e cravou-o firmemente no gelo. Mandic ficaria ali
para sempre, a 7.900 metros, ou até que as tempestades o arrastassem.