O peso-pesado holandês, oriundo de uma das mais tradicionais escolas de artes marciais (o kickboxing holandês) e campeão do K-1 em 2010, estaria com “medo” de enfrentar o boxer brasileiro com mãos lapidadas por Luiz Dórea.
Overeem era teoricamente o melhor do mundo onde Cigano era bom: em pé. Apesar de ser uma luta de MMA, ninguém imaginava o brasileiro buscando a luta agarrada no virtual combate.
Ainda assim, fãs de toda sorte tinham certeza que o holandês, que já havia sido devidamente recepcionado no UFC por Antônio “Pezão” (em sua fase “TRT”), estava evitando Cigano.
Tal cenário parece estranho hoje, mas era uma visão bem natural das coisas. Cigano vivia sua melhor fase e era, realmente, um pesado temido.
Parando para analisar a trajetória meteórica do ex-campeão do UFC, vemos que ele fez por merecer esse respeito, seja o seu adversário campeão de onde fosse – e Overeem, campeão de Strikeforce e Dream quando veio para o UFC, certamente o melhor da categoria fora do maior evento do mundo.
Similar ao conto do “Rei Midas”, que transformava tudo que tocava em ouro, Cigano tinha também seu encanto sob as mãos. Aonde sua direita tocava, “não nascia mais cabelo” e não havia mais luta.
O apadrinhado de Rodrigo “Minotauro” era facilmente apontado como o maior nocauteador do peso.
Cigano vs Werdum
Logo em sua primeira luta no UFC, desmontou ninguém menos que Fabrício Werdum que, se não era tão completo como hoje, já era um lutador perigoso e temido, com grandes vitórias no currículo. Cigano literalmente o mandou para fora do UFC com um uppercut histórico.
Na sequência, despachou o gigante Stefan Struve também com facilidade, em menos de um minuto.
Em sua terceira luta no UFC, deram-no o decadente Mirko Cro Cop (já em fim de carreira em 2009; é um dos finais de carreira mais prolongados que já se viu), outrora devastador striker.
O casamento era interessante, esperava-se ver um antigo nocauteador temido contra um novo lutador de mesmo perfil, para ver o que dava. Deu Cigano, no terceiro round, numa luta que não lhe foi tão mais difícil apenas por ter ido ao 3° round – o brasileiro foi cauteloso como devia ser diante de uma lenda.
A postura do brasileiro era parte do seu “charme” e contribuía, junto a seus resultados, para torná-lo o lutador temido que foi.
Sua guarda mais baixa que a da maioria, justificada pela necessidade dos braços próximos da cintura para rapidamente esgrimar e defender quedas, exalava confiança.
Seu estilo caçador dentro do octógono também. Com esta mesma guarda teoricamente vulnerável ele ia para cima, atrás dos adversário, que recuavam assim que a primeira mão aterrissava.
A quarta vítima no UFC foi Gilbert Yvel, um bom striker, e a quinta Gabriel “Napão”, que se pensava ser um bom striker depois da canelada monstruosa que aplicou ao nocautear Mirko “Cro Cop” em 2007, quando o croata ainda era alguém na “fila do pão”.
Cigano vs Napão
Em quatro destes cinco nocautes a luta parecia transcorrer da mesma forma. Cigano ia atrás dos adversários, media a distância e, quando calibrada, aterrissava overhands, diretos, cruzados, uppers de direita e esquerda para encerrar a luta.
Ele era “chato” de tão eficiente.
Não sabíamos como estava seu chão, não sabíamos se possuía um bom jogos de quedas (acho que até hoje não sabemos), sabíamos apenas que ele defendia bem as quedas (até por ser bastante forte) e tinha um boxe simples mas muito eficiente dada sua potência.
Cigano vs Yvel
E para quê precisávamos ver mais (havia quem pedia variação nisso aí)? Era uma receita que funcionava, para um cara que praticava artes marciais a relativamente pouco tempo. Eu estava satisfeito.
Seu próximo combate, contra Roy Nelson, foi o primeiro a não terminar por nocaute. Cigano venceu após dominar três rounds controlando a distância e punindo Nelson com socos, mas quem mais tinha o que comemorar era o pançudo americano, que acabara de comprovar que realmente possuía um queixo incrível.
O contexto para a luta foi interessante. Nelson declarou a Ariel Helwani que aceitou a luta que ninguém queria aceitar.
''Eu aceitei essa luta porque ninguém mais queria aceita. Por que você acha que ninguém quer lutar com ele? Por quê? Você já o viu lutando? Ele nocauteia todo mundo!”
Era o confirmação de que seu estilo imponente e devastador realmente assustava os demais. Mas havia outro sujeito na categoria que também nocauteava todo mundo em dois minutos.
Na luta seguinte, Cigano enfrentou Shane Carwin, engenheiro de mãos pesadíssimas. Com muita prudência, Cigano se conteve em pé, respeitando a potência de Carwin, mas não deixando de pontuar e ficar na frente durante todo o combate.
Nessa luta, inclusive, vimos um elemento novo. Ao final dos rounds Cigano derrubava para garantir a marcação a seu favor.
Cigano vs Caín
Fora sua sétima vitória seguida no UFC, sendo quatro por nocaute, uma por desistência via socos e duas decisões bem unânimes. O confronto com o campeão Cain Velásquez era inevitável.
E então, em novembro de 2011, no primeiro card da Fox americana, transmitido ao vivo no Brasil pela Rede Globo, com narração de Galvão Bueno, Cigano alcançou seu apogeu. Nocauteou Velasquez exatamente como fizera outras quatro vezes no UFC, com seu overhand de direita.
Era o novo campeão!
Em pouco mais de três anos, o brasileiro havia literalmente subjugado toda a categoria. Era um campeão inconteste, fato comprovado quando venceu com facilidade, por TKO, seu primeiro desafiante, o ex-campeão Frank Mir (que vinha de três vitórias).
Ninguém poderia imaginar o que estava por vir.
Quando enfrentou e venceu Velasquez, o brasileiro pegou o americano retornando de lesão, o que hoje sabemos ser um constante em sua carreira. Por conta disso, e por conta das lutas do boxer terem sempre script parecido, especulava-se que um novo confronto com Velasquez seria diferente.
E realmente foi.
Do céu, Cigano foi ao inferno. Perder para Velasquez, outro monstro, seria normal. Mas a forma com que esta derrota se deu foi impactante. O homem que no dia anterior era o mais temido dentre o plantel do UFC, foi surrado por cinco rounds, sem chance alguma.
Cigano apanhou demais nesta luta, tanto que ao assistir, tenho certeza, muita gente torceu para que seu queixo fosse mais vulnerável.
Não foi uma luta normal, teria sido menos danoso se tivesse perdido rapidamente, como seus adversários anteriores. Seu queixo foi tirado de linha tantas vezes que foi como se ele tivesse sofrido vários nocautes.
Temi por sequelas.
Na luta seguinte, contra o perigoso Mark Hunt, esperava verificar o quanto a derrota o havia impactado física e psicologicamente. E Cigano pareceu se sair muito bem. Sendo o lutador confiante que é, acredito que o impacto da derrota não foi para ele o que foi para nós.
Entendo que Cigano viu seu copo meio cheio. “Perdi por decisão, não é tão mal”, é o que imagino que pensou. E tudo bem, pois funcionou para ele. A vitória sobre Hunt foi uma boa vitória, considerando o quão duro é o neozelandês e o nocaute que o brasileiro conseguiu.
O problema é que, sem apresentar nada novo em seu repertório, Cigano entrou novamente em rota de colisão com o campeão Cain Velasquez. E o script da surra se repetiu.
A estratégia montada pela americano para frear o brasileiro, baseada em seu wrestling, mas não em quedas, foi tão eficaz quanto o jogo de boxe de Cigano que havia funcionado até ali.
Velasquez não deu espaço novamente para o brasileiro e o prensou na grande quase que o combate todo, acertando o melhores golpes na curta distância – Cigano praticamente não aplicou um golpe significativo, estava totalmente apartado de seu jogo, sem distância, time, nada.
O final foi ainda mais feio. Depois de tentar algo parecido com um triângulo de braço em pé, Cigano, grogue, caiu de cocuruto o tablado depois que o americano escapou puxando a cabeça, indo quase a nocaute.
Velasquez só precisou de mais um soquinhos para causar a interrupção. Foi feio.
Em menos de um ano, vimos o mais temido peso-pesado do mundo virar “boneco de olinda” diante de um adversário com mais ferramentas e um QI de luta superior.
Para se recuperar, Cigano pegou uma luta contra uma revelação da categoria, Stipe Miocic. Também versado no boxe, o bombeiro Miocic não se intimidou com Cigano e transformou a luta numa pancadaria.
O rosto de Cigano, mais uma vez, saiu desfigurado, mas desta sua potência garantiu a vitória (Miocic acertava mais, porém Cigano com mais potência).
Vitória por decisão do brasileiro em cima de um lutador duríssimo, mas que veio com gosto amargo. Mais uma vez, sua guarda baixa cobrava um alto preço. O semblante do vencedor era de derrotado.
O mito caiu. Cigano foi de “temido” a “vencível”, depois dessa luta.
O ápice da má fase veio na última luta, realizada no final de 2015. Aquele que anteriormente era creditado por “correr” do brasileiro agora o havia nocauteado.
E pior, numa luta péssima, onde Cigano não fez nada e Overeem, receoso o tempo todo, meio que foi “obrigado” pela passividade do brasileiro a vencer.
O que aconteceu do auge para cá, fora uma grande mudança na visa pessoal do brasileiro (desquitou-se da esposa)? É possível que as duas surras para Velasquez e chumbo trocado com Miocic o tenham minado completamente?
Aposto mais na falta que, pasmem!, Luiz Dórea lhe faz. Cigano não me parece uma boa “esponja”. Não o vejo tornando-se um lutador completo.
O que vimos nesta sua migração da Champion para Nova União e depois para a ATT, depois de perder pela segunda vez para Velasquez, foi ele piorar, ao tentar fazer mais do que o que estava acostumado.
E se piorou, melhor voltar para o feijão com arroz que o fazia vencer toda a categoria, menos um homem.
Ou vocês acham que Ben Rothwell, seu novo adversário, que já anunciou inclusive que pretende usá-lo como escada, tem alguma chance contra o Cigano do Dórea?
http://sextoround.com.br/47231-flashbac ... -do-mundo/
Gostei da matéria.
Cigano e Hendricks são as maiores decepções do MMA recente ? Todos imaginávamos ambos destruindo em suas respectivas categorias, mas o que vimos foi eles perdendo lutas e entrando em decadência.
